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A culpa

Publicado: setembro 16, 2012 em Sem categoria

Aprendi a fazer asinhas nos calçados aos oito anos. Antes, para amarrar os cadarços, eu dava vários nós. Quando chegava em casa, não conseguia desfazê-los. Mamãe ajudava.

As mães sempre ajudam. Sempre estão presentes para amenizar os falhaços dos filhos. Acredito ser uma forma de punição por nos terem colocado no mundo. Elas merecem pagar pelo que fizeram.

Eu sempre arranjo formas de punir minha mãe. Não a perdoo. O mundo seria um lugar bem melhor sem mim.

No tempo em que vivia com ela, a punia no inverno. “Mãe, tá frio.”

Ela saía de seu quarto e arranjava outro cobertor para me tapar.

Hoje, puno-a com saudades. Cada tempo usa as armas que possui.

Sou bom. Em armas. Estão sempre engatilhadas. Atiram para todo lado. Por isso o mundo seria um lugar melhor sem mim. Por isso, minha mãe tem de sofrer.

Porque eu atiro. Coloco o dedo na ferida. Ninguém está a salvo. Miro nos melhores amigos. Faço piores inimigos. Pelo simples prazer do disparo. Para ouvir o estrondo.

Gosto dos estrondos.

Porque, depois deles, tudo é silêncio. Ouve-se os pássaros. Os sussurros. Não é preciso que as mulheres gritem durante o sexo. Um simples gemido e já está. Esta é minha sina, gosto dos estrondos.

Das enxurradas.

Da poeira.

Porque tudo passa.

Porque durante o caos todos lembram dos tempos em que eram felizes e não sabiam.

No ser humano, a memória é curta.

Aí razão dos estrondos serem cada vez mais necessários. Mais uma vez, culpa das mães. Que acordam no meio da noite para arranjar mais um cobertor. Madrugada após madrugada.

É por causa delas que os gatilhos são necessários.

Puna-se.

 

Sobre o nada

Publicado: agosto 30, 2012 em Sem categoria

Nada tenho a falar sobre Machado de Assis. Mas sinto uma necessidade enorme de escrever algo. Sem importar o quê. Tem tanta gente falando nada sobre coisa alguma. Decidi falar nada sobre Machado. 

Passado mais de um século, as pessoas ainda não perceberam o essencial no fundador da academia. Ainda discutem se Capitu deu ou não deu para Escobar. Acho que os discutidores do assunto não leram o livro. Ou ela fez inseminação artificial ou abriu as pernas para o amigo do marido. O fato do filho do casal ter o acara e os trejeitos de Escobar não podem ser apenas obra de um narrador inconfiável. 

Para mim, inconfiáveis são essas discussões. Machado não é uma discussão. É um estado de espírito. No fim, acho que ainda não aprendemos a ler. O que importa não é a traição. A importância está na necessidade que o autor nos provoca. A necessidade de falar sobre o assunto. Mesmo que nada haja a ser dito. 

Em tempos de Big Brother (não falo do George Orwell, falo do Pedro Bial), o nada parece mesmo ser a tônica da cultura nacional. Parece que estamos meditando vinte e quatro horas por dia. Ou seja, com a mente vazia.

Nos anos dois mil, o que parecia impossível tornou-se lugar comum. Se antes precisava-se de anos para esvaziar a mente para conseguirmos meditar, agora faz-se num simples toque no power. Tudo bem que não se medita, mas com a mente vazia já é meio caminho andado. 

Talvez esse seja o caminho para a paz em nosso país: a meditação. Nunca pensei que Pedro Bial tivesse esse poder. 

Aposto que o próprio Bhuda está fascinado com essa descoberta. Assim como Machado de Assis está se revirando no caixão pelas notícias e repercussão sobre sua obra que os vermes lhe trazem.

O que os vermes não devem comunicar são as atividades da Academia Brasileira de Letras. Nem os nomes de seus integrantes. Se a importância que a fugidinha de Capitu alcançou o faz revirar-se no caixão, imaginem se ele soubesse que o José Sarney faz parte da casa que ele fundou para abrigar a nata dos escribas tupiniquins.

Acho que devo assistir mais o plim-plim. Estou começando a gostar dessa história de falar sobre o nada. Depois do meu aperfeiçoamento, talvez eu já consiga falar nada sobre futebol, sobre o aquecimento global e, chegarei ao auge, falando nada sobre a política. 

Mas, antes, preciso acompanhar muito o programa do Bial. Ouvi dizer que até pay-per-view tem. Vinte e quatro horas por dia. Vou assinar.

 

Orgulho

Publicado: julho 20, 2012 em Sem categoria

O grande orgulho de todo tupiniquim, em suas conversas de boteco, é dizer que viveu no estrangeiro. Todos sempre enchem a boca para relatar de que forma habitaram Nova Iorque, Paris ou Londres. Hoje em dia, Shangai, Sidnei e Vila Nova de Gaia também já fazem parte do orgulho dos brasileiros. Recém-regressados, crescem em suas cadeiras relatando o quanto ganhavam e o quanto gastavam por semana nestes solos distantes. Nessas horas, quando perguntados sobre o que faziam, os tupiniquins têm por saída uma alternativa aprendida no futebol: o drible da vaca.

Na verdade, não há maior orgulho do que viver no Brasil. Afinal, aqui tudo é mais caro: do vinho às cirurgias de implante mamário. Dessa forma, já que no Brasil o dinheiro dificilmente é suficiente pelas coisas custarem mais e, principalmente, pela saúde e segurança comprometerem grande parte dos nossos ganhos que no estrangeiro são pagos com as arrecadações de impostos, deixamos de investir em supérfluos como cultura e garotas de programa.

Os altos impostos que se perdem nos corredores do governo são as principais causas da nossa safra de artistas estar à mingua e nossas garotas de programa preferirem trabalhar no exterior. O mercado se auto-regulamenta. É a lei da oferta e procura. Você não pode oferecer o que ninguém busca – ou não tem dinheiro para pagar.

Uma solução, para meu caso, seria aprender a escrever metáforas em inglês. Ou virar garota de programa.

Mas não pretendo deixar o mapa tupiniquim.

São Paulo figura há vários anos como uma das cidades mais caras do mundo. Isso é um orgulho. Principalmente para quem sobrevive nela com um salário mínimo. Mas estes não podem gabar-se nas conversas de boteco com o regresso de Londres por uma simples razão: não terá dinheiro para ir ao boteco. Talvez por isso, o filho pródigo encha-se tanto de orgulho.

Mas o maior orgulho que se há de ter no Brasil é sobreviver aos (próprios) botecos. Com a qualidade das nossas cervejas e vinhos, o dia seguinte é sempre um risco ao qual teremos de enfrentar.

Uma cerveja nacional no Brasil custa mais que uma cerveja nacional na Europa. Mas a diferença não é somente essa. O que afeta o dia seguinte é que nossas cervejas dificilmente contém cevada e são fermentadas a base de repolho. Tudo bem, se não quisermos a que desce redondo, podemos pedir uma belga. Mas a belga custa quatorze vezes a mais do que custaria no Hemisfério Norte. Prefiro não falar dos vinhos já que eles praticamente inexistem nos cardápios por preços consumíveis. Dizem que é por causa dos impostos. Tudo que sei é que a provável causa da nossa ressaca comece muito antes do primeiro gole.

Assim, o Brasil torna-se mais caro a medida que exigimos alguns luxos como, por exemplo, o direito ao lazer. Mas o Brasil é sim o país do supérfluo. Nos damos ao luxo de falar português, demorar duas horas nas saídas dos estádios e ficar meia hora assistindo o pessoal do BBB a dormir, na esperança que aconteça algo por baixo do edredom.

O tupiniquim é um privilegiado. Ele tem todo o tempo do mundo. Logo, ele é rico.

Então, da próxima vez que você tiver o privilégio de estar numa mesa de bar e ouvir histórias vangloriosas de quem morou por algumas temporadas em Nova Iorque, London-London ou nos arredores de Paris, suba no salto e aponte o dedo, dizendo: “E você sabe a quanto tempo eu consigo viver em São Paulo?”

Paz e Amor

Publicado: junho 24, 2012 em Sem categoria

Estamos na Era de Aquarius. Ainda bem. Ninguém agüentava mais tantas brigas. Mas agora acabou. Todo mundo se ama. A era de Aquarius está aí. Lula é a prova disso.

Essa é a melhor era da história. Paz e Amor para todos. Acabaram-se as brigas. Lula já abraçou Sarney. Andam juntos pra cima e pra baixo. As pessoas tinham dúvidas. O que significava aquilo? Eu respondo: é a Era de Aquarius. Esta é a mais bela era da história. Tudo pelo Paz e Amor.

Lula tornou-se amigo de Sarney. Agora, ele ama Maluf. Mas continua tendo o coronel do Maranhão como seu querido. É lindo. 

Estou comovido. Ultimamente tenho chorado bastante. Comecei com os filmes do Capra. Depois com os do Jim Carrey. Atualmente, choro com as demonstrações públicas de afeto. O aperto de mão entre antigos desafetos me emociona. Viva a Era de Aquarius. Viva o fim das ideologias. 

Eu nunca tive ideologia. Todos me criticavam por isso. Agora, todos vêem como eu estava certo. Eu apenas estava à frente no tempo. Havia entrado antes no período Paz e Amor. Mas o tempo cura tudo. Hoje, até Lula já vive esta fase.

É o fim da escuridão. Hora de fazer as coisas às claras. Ninguém tem mais nada a esconder. Nem os políticos. Eles se amam. Salve as vergonhas à mostra.

Estamos na Era de Aquarius.

Não há do que se envergonhar. Vou lá comprar a coleção do Paulo Coelho.

 

Praça Shiga

Publicado: junho 7, 2012 em Sem categoria

Mario Quintana morreu triste. Havia ruas de Porto Alegre pelas quais jamais tinha andado. Ele não era um grande caminhante. Preferia as mesas dos cafés e os cigarros. Mas era um grande apaixonado. Talvez por isso tenha morrido triste.

Eu consigo ser ainda mais triste que Quintana. Primeiro porque não escrevo como ele escrevia. Depois, porque não conheço metade das ruas de Porto Alegre pelas quais ele pisou.

Os engarrafamentos dos anos dois mil têm responsabilidade por uma parcela de minha tristeza. Meu bundamolismo se encarrega da outra. De todo o tempo que perco na vida, não há tempo pior gasto que o a não conhecer as ruas de Porto Alegre.

Não conheço as ruas do IAPI. Não conheço a rua que leva a Itapuã. Não conheço a Rua 24 horas de madrugada. Nunca pisei na Rua Esplanada.

Isso é assustador. Enquanto desfilo a caneta por essas linhas, perco passos. Mario Quintana certamente estaria soprando em meus ouvidos se não tivesse coisas mais importantes para fazer.

Causaria-lhe genuína aflição ver-me a não caminhar por paralelepípedos, lajotas ou caminhos de chão batido.

Uma das causas dessa displicência deve ser meu desapego para comigo mesmo. Sou desprovido de amor-próprio. Por isso envelheço sem fazer o que mais gosto: ler Quintana enquanto tomo um expresso no Café Santo de Casa.

Leio-o no sofá da sala. Ao invés do Guaíba, admiro a parede roxa.

Quintana era porto-alegrense roxo. Embora não tenha nascido aqui. Também não nasci aqui. Talvez esse seja o motivo da minha cor bege. Ou talvez eu tenha essa aparência por minha falta de paixão. Ou minha falta de idade. Quintana tinha a idade do mundo. O suficiente para ser pai de qualquer rua dessa cidade.

Filhas pródigas, algumas.

Temporãs, outras.

Órfãs, todas.

Quando o relógio avisa que são dezoito horas, geralmente faz calor na Praça Shiga. Dou-me conta de que desperdicei algumas linhas durante o dia. Fico um pouco menos triste. Não conheci novas ruas. Mas convivi com a praça. É sempre assim. Essa praça se renova a cada sol. Por isso, volto todas as tardes, para conhecê-la. Às dezoito horas, o zelador precisa fechar as portas.

Nessa hora, a cidade muda. Dou boas-vidas ao engarrafamento e à minha parede roxa. Mario Quintana morreu triste. Havia ruas de Porto Alegre pelas quais jamais tinha caminhado.

Eu consigo ser ainda mais triste. Amanhã passarei a tarde na Praça Shiga.

Um amigo me disse que não se faz literatura sem público, pois a literatura só é literatura quando dialoga com os leitores.

Eu sou o maior escritor brasileiro sem obra de todos os tempos. Depois explico.

 

Estive em Buenos Aires para a Feira do Livro. De Buenos Aires, no caso. Jurei que não iria para comprar livros e sim para freqüentar as mesas de debates. Enganei-me, comprei alguns. Mas participei das conversas. Em meio a tanta programação que brotava de salas e palcos e esquinas, parei no Diálogo de Escritores Latinoamericanos. Vários dias e várias mesas discutindo o que se fazia no continente de língua espanhola. Eles têm maior facilidade de diálogo e troca de experiências. Assim como troca de obras. A língua aproxima. Mas, para os autores brasileiros, é uma barreira. A mesma que surge entre eu e minhas publicações.

Os debates desse Diálogo giravam em torno dos novos. E a base para se saber quem são os novos eram os nomes que a Revista Granta publicava cada vez em quando. A Granta recebe inscrições e depois elege os vinte ou trinta futuros grandes escritores em cada língua. Também fizeram a versão portuguesa. A partir de então, a lista entra nos catálogos de mais procurados e por aí vai.

Não me inscrevi. É uma das razões pelas quais continuarei um escritor sem obra.

 

Meu primeiro prêmio literário veio em 1993. Eu tinha dezessete anos. De lá pra cá, recebi praticamente todos os importantes prêmios literários nacionais. Para escritores sem obra. Para aqueles que devem inscrever-se sob pseudônimo. Até 2009 eu contabilizava cerca de vinte prêmios. Parei de contar após esse número. Certamente hoje passa dos trinta. Repito, são prêmios importantes, reconhecidos e muito disputados.

Ao chegar da Feira de Buenos Aires, uma notícia no meu email.

Fui o primeiro colocado no Prêmio Cataratas de Contos, de Foz do Iguaçu. Era um dos poucos que eu não havia recebido ainda.

 

Mas não escrevo aqui para mostrar como sou foda. Escrevo para dizer que não me inscrevi na escolha da Revista Granta. Escrevo para dizer que editora alguma ainda aceitou me publicar. Embora eu tenha mandado originais para diversas. Embora os críticos tenham me conferido cerca de trinta importantes premiações. Claro, eu inscrevia-me sob pseudônimo. Eu sou um escritor sem leitores. Um escritor sem obra.

 

Daqui a cem anos serei motivo de estudo. Algum historiador descobrirá meus originais em arquivos perdidos e fará o que fizeram com Qorpo Santo.

O título: o maior escritor brasileiro sem obra de todos os tempos.

Serei eu.

Espero que editor algum leia este texto. Ele pode acabar com o meu futuro. Assim como acabaria com a grande descoberta de um anônimo e louco historiador do século XXII.

 

Ler

Publicado: abril 19, 2012 em Sem categoria

Parei de ler. Aderi à moda das Brasileirinhas. Desisti dos livros. Dedico avidamente meus neurônios a filmes sem história.

Ninguém gosta de histórias. A multidão quer as entranhas, o gozo, os acidentes, o Big Brother.

Eu sou a multidão. Vendi meus livros à quilo na Voluntários. Guardei alguns para usar na lareira. O inverno em Porto Alegre tem alguns dias frios.

Parei de ler. Ganhei espaço na estante. Pretendo comprar coisas bonitas para colocar no lugar.

A multidão não tem tempo. Livros são demorados. Os filmes das Brasileirinhas duram doze minutos. Igual ao livro do Paulo Coelho. Ou seriam onze? Ainda não descobri se a gente leva esse tempo para lê-lo ou para desistir. Parei de ler. Mas talvez eu ainda leia esse livro do Paulo Coelho.

Dedico avidamente meus neurônios a filmes sem história. Tenho transado mais. Não ler me faz conversar melhor em baladas. Na verdade, ninguém escuta o que se fala nas baladas. Mas as tenho freqüentado. Desisti também dos shows cover de Bob Dylan, Pink Floyd e Jethro Tull nas quintas. Ninguém transa depois desses shows. Mas a multidão transa antes, durante e depois dos filmes das Brasileirinhas e das baladas.

Eu sou a multidão. Parei de ler.

Ganhei dinheiro com a venda de meus quilos de livros. Comprei a cerveja que desce redondo. Agora falta comprar uma coisa bonita para colocar na estante.

Uma coisa moderna.

Virei moderno. Vou a baladas. Nesses lugares não é preciso conversar.

Aderi à moda das Brasileirinhas e vou comprar uma coisa da moda para minha estante.

Parei de ler. Vou andar na moda. Mesmo que isso me faça andar em círculos ou ficar eternamente tentando morder meu próprio rabo. Parei de ler. Em breve, vou parar de escrever.

The Wall: o dia seguinte

Publicado: abril 5, 2012 em Sem categoria

É a quarta vez que assisto a um concerto do Roger Waters. A segunda vez que vejo The Wall. E ainda não descobri o que se faz no dia seguinte.

Os dias seguintes são os mais óbvios e os mais difíceis de se definir. Os shows de Roger Waters são como um drible do Garrincha. Todo mundo sabe o que ele vai fazer. Mas assim como os zagueiros não conseguiam segurar a bola, a gente não consegue segurar as lágrimas.

Eu gosto das lágrimas. Ainda não inventaram forma mais eficaz de se lavar a alma. As lágrimas derramadas em The Wall não são qualquer tipo de banho. São como um banho de sais, em águas termais, com direito a massagens de ninfas.

Não sei como a alma se sente no dia seguinte. É uma sensação estranha. Num momento ela parece ali, entranhada na carne. Em outro, é como se ela tivesse tirado o dia para voar no Atacama e já voltasse. Talvez seja por isso que ficamos assim, meio que sem saber se o chão onde pisamos é firme ou também foi ao Atacama dar uma volta.

Eu não sei onde é o Atacama. Na verdade, não sei sequer onde estou.

Há horas que fico pensando nas pessoas.

O que estarão elas falando?

Eu não quero falar sobre isso. Não há o que dizer. Depois de um show do Roger Waters, gosto de ficar parado. Com os olhos abertos. São as únicas vezes na vida que consigo meditar. O ar entra e sai, entra e sai, entra e sai. Diferente das pessoas, que apenas saem. Diferente de mim. Cuja alma foi passear e não disse quando retornaria.

O retorno do The Wall, de volta pra casa, também é um momento ímpar. A gente vai pra casa. Mas não está exatamente indo pra casa. Estamos indo para algum lugar. Estamos mais leves e mais cheios. E continuamos sem querer falar com ninguém. Sem ouvir. Sem pensar. Porque não há nada mais para ser pensado.

Talvez o dia seguinte seja apenas mais uma sequência deste estado a que The Wall nos leva. Ou talvez ele não exista. Tenha ido dar uma volta ao Atacama junto com nossa alma e com o chão que a gente pisa.

Espero que continuem por lá.

A noite

Publicado: março 26, 2012 em Sem categoria

 

Quando a noite fecha as cortinas

é porque

ela tem coisas para nos contar.

 

É por isso que a gente dorme.

 

Para deixar a noite sussurrar

seus segredos

para nossos sonhos.

 

Conversas com mamãe

Publicado: março 19, 2012 em Sem categoria

Tenho evitado as conversas com minha mãe. Ultimamente temos exercitado essa comunicação basicamente em seus telefonemas. Antes de perguntar como estou, ela insiste em saber o que estou fazendo. Digo que estou escrevendo.

“E vai trabalhar quando, meu filho?”

Gosto de falar com minha mãe. Assim como gosto de falar com outras pessoas que avaliam a escrita como um não-trabalho. Tento entender as outras pessoas. Mas, com minha mãe, não sei se faço o mesmo esforço. Mamãe é uma mulher à moda antiga. Acha um absurdo, por exemplo, que eu cozinhe para minha namorada. Mas gosta quando ela lava a louça. Ambos gostamos.

Cozinhar me dá prazer. Principalmente quando faço para as namoradas, se é que me entendem. Por isso, fiz um curso rápido de culinária. Mamãe ligou. Disse-lhe que as aulas serviriam para eu ser chef.

“Ah, que bom meu filho, que bom.”

Possivelmente ela não entendeu que o tipo de chef que eu seria era um tipo de chef que mandava apenas nas panelas. Mas ela não precisa saber desses detalhes. Estudo há trinta anos para fazer um trabalho que não é trabalho e para dar ordens a um monte de panelas que queimam meus dedos.

O mundo insiste em não entender certas coisas. Eu mesmo ainda não entendo por que escolhi esse caminho. Tenho um trabalho que não dá dinheiro e subordinados que soltam vapor pelas ventas.

Talvez a explicação esteja mesmo nas ventas. Eu dificilmente esquento a cabeça. Afinal, as pessoas apenas se estressam por trabalho, dinheiro ou cônjuges. Como não tenho nenhum deles, vivo em paz.

Estou pensando, inclusive, em telefonar para minha mãe.

“Mãe, sou eu, estou feliz, na santa paz de Deus.”

Essa informação sobre estar feliz e em paz certamente ligará outro ponto na cabeça dela.

“Quem bom, arranjou um emprego, meu filho, que bom.”